Paulo Ramos e a semente do trabalho
Na coluna Na Garupa com o Tunico, crônicas sobre estradas, histórias e destinos mineiros. Uma visão pela alma e pelo coração do Tunico, sobre as experiências que se pode sentir sobre duas ou quatro rodas

A crônica de hoje aproveita o Dia do Trabalho para que eu mexa um pouco no meu passado e preste homenagem à pessoa mais importante na construção da minha vida - alguém que me transmitiu valores e princípios fundamentais, e que, com seu exemplo, me mostrou o verdadeiro significado do trabalho.
Paulo Alberto Fernandes Ramos - meu pai.
Vou me concentrar em sua trajetória profissional. Digo isso porque ele era um ser humano completo, holístico, numa época em que não existiam redes sociais nem o oráculo chamado Google.
Mas existia algo poderoso: a boa e velha leitura. E ele era muito bom nisso. Foi isso que lhe abriu portas, rendeu amigos, indicações e permitiu que se dedicasse com muito êxito à sua carreira.
Era advogado e administrador de empresas por formação, com especialização em marketing e vendas, Professor, Juiz Classista.
Atuou por décadas em grandes empresas - Klabin (divisão Cerâmica), Eucatex, e o Grupo Arthur Haas - até se aposentar no Conselho da Fundação Haas.
Três gerações da minha família trabalharam com a família Haas. Meu avô paterno, Antônio Ramos (de quem herdei o nome), foi o primeiro, abrindo caminho num conjunto de empresas que teve enorme impacto em Belo Horizonte e em Minas Gerais, especialmente no setor automobilístico.
A principal delas era a Casa Arthur Haas - uma revenda Ford no tempo do meu avô, depois transformada em concessionária Chevrolet, já na gestão do meu pai.
Quando meu pai ingressou no Grupo, meu avô já havia falecido há muitos anos. Mas sua reputação, seriedade e profissionalismo permaneceram tão vivos que abriram espaço para que meu pai também ali construísse sua história.
Minha oportunidade
Meu pai sempre me ajudou muito - e eu sempre procurei retribuir. Quando ele se aposentou da Superintendência da Mac Chevrolet, me chamou para uma conversa que nunca esqueci. Disse:
- Agora que não estou mais à frente da empresa, você vai se apresentar e participar da concorrência que ela vai realizar para escolher a agência de publicidade. Enquanto eu estava lá, seria conflito de interesses. Agora, é sua chance.
Participei. Venci. E, com o tempo, atendi também o Consórcio Haas e a própria Casa Arthur Haas. Pode parecer um caso simples, tranquilo no campo profissional.
Mas carrega um peso simbólico enorme - principalmente para quem viveu esse momento histórico e sabia da responsabilidade que isso representava.
Até hoje, é gratificante quando alguém menciona meu pai com respeito, carinho ou admiração.
Um encontro inesquecível.
Em uma reunião com um grande cliente da minha agência, a Tora Transportes, atendi pessoalmente o presidente da empresa, o Sr. Paulo Sérgio Ribeiro.
Durante a conversa, ele me perguntou de onde vinha meu sobrenome "Ramos". O famoso, para nós mineiros: “Cê é fio de quem?” Quando citei o nome “Paulo Ramos”, notei que ele me olhou fixamente - e, de repente, seus olhos se encheram d’água.
Perguntou como meu pai estava. Respondi que estava bem e dei algumas notícias. Aquele homem, sempre tão sério e objetivo, subitamente deixou cair as defesas formais. Com voz embargada, compartilhou:
- Eu era um garoto ajudando meu pai no início da minha carreira. Seu pai ficou amigo do meu. O Sr. Paulo Ramos era diretor comercial nacional da Klabin, e a gente passava uma necessidade danada.
Quantas vezes ele arrumou fretes pra gente saindo da fábrica de Santa Luzia. Isso nos salvou muitas vezes.
Um dia, tentei agradecer, e ele me disse: “Paulinho, você não tem que me agradecer. Tinha era que existir o ‘Senhor do Bom Início’. Mas não tem, só tem o ‘Senhor do Bom Fim’. E às vezes a gente nem chega lá.” Nunca esqueci disso.
Minha relação com a Tora e com o próprio Paulo Sérgio continuou por muitos anos - sempre pautada pela meritocracia, como qualquer relação profissional deve ser.
Mas conhecer essa história fortaleceu ainda mais os princípios que me guiam: o valor da família, do trabalho, da justiça, e do legado que deixamos.
Espero que minha filha também possa sentir orgulho de quem sou, do que faço e do amor que tenho pelo trabalho.
Que essa semente plantada pelo Sr. Antônio Ramos floresça nela também. E que ela consiga semear, em seus filhos - se vierem - esse mesmo fruto do bom trabalho, que anda, infelizmente, a passos largos rumo à extinção.
* Tunico Caldeira é publicitário, gestor cultural, professor e artista plástico
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